Pular para o conteúdo principal

"José, para onde?"

Num momento ponho todas as flechas apontadas num só ponto. Noutro, jogo todas elas no chão e vou embora. Estou surdo e sei que não valiam nada.
Acordo. Estou a procurar flechas no chão, nos ares... me desespero em saber que podem ser de alguém, não minhas.
Crio novas. Desenho, moldo, e tento esculpi-las como se a mim mesma estivesse fazendo.
De novo. Flechas nas mãos e na alma toda.
Onde é o alvo agora?
Não existe alvo, mas alvos, e tudo é confusão como noutro dia, como no começo de tudo: branco ou preto? Fútil ou útil? Grandeza ou pequenez?
Não lido bem com perguntas tão diretas. Não lido bem com direção. Qual direção das flechas? Fecho os olhos, disparo-as no ar e não consigo mais abrir os olhos para saber onde estão. Para onde foram novamente?
Atiro flechas ao ar, não a alvos. E o vento, senhor das direções, joga-as aonde quer, penteia os cabelos meus e dos coqueiros e joga palavras ao além, junto às flechas que lancei.
Apanho-as do chão. Estão mortas. Não querem ir a lugar algum onde eu mesma não vá. Será mesmo preciso ir a algum lugar? Por que não ficar aqui e esperar? Por que ir, por que chorar, por que andar e ter dentes e aprender uma língua? Por que mesmo estamos aqui?
As flechas não me dizem nada. E estou com elas nas mãos. E corro sério risco de não joga-las nunca em alvo seguro. Por isso as tenho sempre nas mãos. Vou e volto como e com elas. Sem querer me dar à sentença da escolha. Escolho estas palavras em vez daquelas, em vez de um universo inteiro delas. Cato palavras de muitas fontes e de muitos galhos e sou feliz com elas, mesmo tendo dez flechas em cada uma das mãos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A palavra Mãe

Mãe, palavra que cria o mundo. Mãe é o substantivo mais adjetivo que existe.   A palavra mãe simboliza um algo a mais, incabível no nome em si, por isso, para mim, pertence a duas classes gramaticais – é substantivo e adjetivo. Mãe, adjetivo, é palavra que qualifica o ser. Quando digo e ouço “mãe” toda a ternura do mundo vem a minha boca, entra pelos meus ouvidos. Parece um abraço caloroso e mãos leves. Mãe pode significar carinho, saudade, zelo; também como para mim significa carinhosa, saudosa, zelosa... o nome e o adjetivo cuidam em estar tão juntos de nunca se soltarem. Mãe é uma lente de aumento. Intuitivamente, as mães estão sempre um passo a frente dos filhos; mãe é mãe mesmo quando não dá à luz um ser; assim ela muda a construção da regência para dar luz a um ser – mãe é luz. Generosa, dá luz e dá à luz. Mãe é coisa de Deus. Mulher nasce com a marca de ser mãe, é visceral, e, quando o ventre não conjuga o verbo gerar, a mulher, facilmente, torna-se mãe da mãe, dos i

Do it yourself

Há algum tempo venho insuspeitavelmente vivendo o "faça você mesmo" (interessante, pode ser entendido "faça a si mesmo"), é, pode ser. Mas, neste momento, tenho quase uma idéia fixa ("Deus te livre, leitor, de uma idéia fixa!" - Brás Cubas). Pois é, tenho de admitir, tenho uma idéia fixa e não quase uma: Se você pensou - costurar - acertou! Quero aprender a costurar. E sei que vou. Falta-me pouco (rsrsrsrsrs) só fazer a matrícula num curso, comprar uma máquina de costura... ou seja, arranjar tempo e dinheiro para tanto. Mas é uma questão de... como eu diria... investimento! Não desses com retorno financeiro, mas com o seguinte retorno: Ouço pássaros cantando? Sinto borboletas nos meus ombros? Filho, é a sua cara! Que tal um café, amor? Umas roupitchas também, que não sou de ferro... Mas podes perguntar: E daí, por que não comprar isso tudo? Ou já supõe que estou querendo economizar... brincadeirinha! Mas a questão vai além disso. É carinho, é memória.

À procura do meu momento Susan Boile

A literatura está repleta de momentos-cisne, da descoberta de um dom, talento ou beleza especial. Agora, em tempos de you tube, o mundo ficou sabendo da beleza de um momento como aquele citado acima: alguém descobriu a que veio a este mundo. Com isto sentir-se confortável é o mínimo que se pode alcançar. Não se trata apenas de ter uma posição de destaque, de reconhecimento, já que isto é inevitável no percurso de quem sabe o que quer. Há nesse mundo gente que quer pedalar, cozinhar, limpar, voar, dançar, pintar, curar, subir, cair, atuar... só que antes de qualquer desses verbos, há o verbo querer. Trata-se, sim, justamente dessa certeza, desse foco, de saber querer o que se procura. Um querer é perseguido ao mesmo tempo que nos persegue. O que aconteceu à Susan agora é só sabido por uma multidão de fãs, mas, creio que fosse o que fosse, fizesse o que fizesse da vida, Susan abriria sua boca para cantar, com a mesma realeza. Varrendo chão, ninando crianças, cozinhando, embaixo do chuve