Não sei de onde, desde a infância tenho verdadeira mania por chegar cedo. Minha mãe me ajuda a construir a imagem que carrego de eu sempre chorar quando me atraso em algum compromisso. Lembro perfeitamente, das poucas coisas que lembro da minha distante infância, de como eu chorava e me desesperava por chegar à escola mais tarde. Nossa! Era um tormento. Talvez lembre assim tão bem, porque é exatamente assim que me sinto até hoje quando não chego cedo. Experimento de uma deliciosa, diria até orgástica, sensação cada vez que chego um pouco mais cedo. Isso é um paradoxo, pois, por outro lado, sou uma pessoa que atesta não ter paciência para esperar. E, embora não gostando, acho que talvez eu seja a pessoa que conheço que mais espera. Pois dei na “sorte” de conviver com pessoas que adoram que eu espere. Minha família toda é assim – ou talvez, porque sou a primeira a chegar, ou a estar pronta, sou eu também a que sempre espera. Paradoxal, não? Será que tenho pressa? Será que no fundo eu gosto de esperar? A despeito da sensação de estar esperando, ainda assim prefiro chegar cedo. Eu provo de um silêncio tão bom... eu penso... eu olho... eu assim não tenho pressa de nada. Contemplo a paisagem, se fumasse acenderia um cigarro nesta hora. As coisas mudam quando se espera. É, talvez eu goste mesmo de esperar, e não sabia disto. E não saberia disto se não tivesse chegado mais cedo hoje. Porque, chegando tarde eu não estaria pensando nisso. Porque não se pode imaginar como é chegar cedo, é preciso chegar para sentir isto. As cadeiras, o silêncio, as coisas chegam quase a falar. Agora lembrei de uma lenda ouvida na infância, acho que toda criança já ouviu isto: os brinquedos ficam vivos quando a gente dorme, quando a gente não está lá. Ainda não me desfiz dessa crença, e espero que ela nunca me abandone. Pois, chegando cedo, quase que os ouço sorrir ao meu redor, pois sabem que penso em flagrá-los dançando e comentando nossos segredos, e rindo do quanto conseguimos ser cegos... e riem das bobagens que fazemos ao longo dos dias. Bem, talvez eu saiba: gosto de chegar cedo porque me sinto cúmplice do silêncio que os objetos fazem ao ouvir meus pés chegarem. Sabem que eu sei. Sei que eles sabem. Ficamos em silêncio nós. A nos olhar como quem guarda um grande segredo. Chegar cedo é bom, ainda que não tenha ouvido uma porta sorrir, ou uma cadeira falar, ou um bule me abrir as asas...à parte disto, estamos aqui na sala, circunspectos e consortes nesta vida.
LIVRANDO-SE DE CALCINHAS “UM POUCO VELHAS” “Sujo atrás da orelha, Bigode de groselha, Calcinha um pouco velha Ela não tem” (Chico Buarque/Edu Lobo. Ciranda da Bailarina) A partir desses versinhos, lindamente interpretados por Adriana Partimpim (heterônimo da Adriana Calcanhoto para crianças), surgiu, numa roda de meninas-não-bailarinas, onde, felizmente, eu estava, um assunto que me chamou atenção. “Isto merece um texto!”. Ei-lo! A pergunta é a seguinte: o que fazer com calcinhas velhas? Daquelas mesmo que estás pensando nessa sua cabecinha, aquelas... que todas nós tivemos, temos e teremos, em algum momento da vida – se Deus quiser! Calcinhas um pouco velhas sempre estarão nas nossas gavetas. E como teremos rituais e alguma dificuldade para jogá-las fora! Conversa vai, conversa vem... fui ouvindo depoimentos tão curiosos que me arrepiei ao pensar no quanto estávamos desfrutando de tamanha intimidade naquele momento. Eu também tive a minha hora de confessar o que costumava fazer com ...
Me vi neste texto, Sibéria! Eu vivo dizendo que minha vida é esperar os outros, pois sempre chego cedo (aliás, os outros sempre se atrasam...). Adorei o texto!
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