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Mostrando postagens de 2015

UM NÃO-SONETO PARA BILAC

Sibéria de Menezes Os astros me avisaram Estrelas cortaram velozes o negrume do céu Na esperança que eu as pudesse ouvir Mas há muito não as ouço, Bilac Há muito tenho deixado descansar meu ouvido de ouvir estrelas Os astros me avisaram Que minhas certezas beiravam o abismo No entanto, de poetas e astros se faz um mundo, não o entendimento De vaga em vaga, cai meu coração atônito e estúpido Sem compreender o sentido de tudo o que o cerca Sem achar os decassílabos que lhe tragam alguma paz. O céu rompeu em chuvas de meteoros Perdi de ver Saturno com seus anéis Não acompanhei a dança dos cometas, por te observar. Enquanto te contemplava astro-rei, semideus trajado de sol Caí de uma altura de mil penhascos Os astros me avisaram E eles não mentem, jamais A seiva de sentimentos agoniza sob Júpiter e Netuno Cavando, sem piedade, um buraco negro No mais obtuso planeta dos mundos: o coração.

NAS VEIAS DO TEMPO - Sibéria de Menezes

O tempo corre lenta e repentinamente Dobrando-nos a pele em rugas irreparáveis. Segredo dos vivos, assim, gota a gota se esvai, inexoravelmente. Nosso companheiro e algoz – a dar-nos além da flacidez, os filhos; além da inocência, as palavras. Tempo, ó deus dos deuses, que testemunhas nossa irrisória passagem neste espaço-tempo; que a nenhum mortal curva-se em deleite ou piedade. Tempo que dá feitio de homem e mulher às crianças e por todos nós passa ilesamente o mesmo. Tempo que testemunhou a passagem da Antiga Roma e Atenas, de Sócrates e Platão, e que testemunhará outros, muitos outros que também virão. Tempo justo, de minuto a minuto corre para nós o mesmo igual de partes e eras. Tempo, eis-me aqui, com minhas veias encharcadas de ti! Eis-me aqui, testemunha da passagem das horas, as mesmas que destes a Villa-Lobos e a Lennon – 24 horas, segundo a segundo, mergulhada em ti.

A DOR DO OUTRO

Por Sibéria de Menezes É comum afirmar que a grama do vizinho é sempre mais verde. Aí o outro é paragem e delícia.  Mas há um outro. Outro que ignoramos, outro a quem queremos ainda mais mal. O outro por quem não nos compadecemos. Por quem não exercemos compaixão: aquele que sofre. Aquele que carrega uma dor. Porque a dor do outro não é desejada como é a grama do outro. Porque a dor é um substantivo abstrato. Porque precisamos sentir para saber dimensionar a dor. Para quem já sentiu uma dor, qualquer delas, talvez seja um pouco mais fácil colocar-se no lugar do outro. Há, porém, o esquecimento da dor. Há quem mesmo tendo passado por experiência semelhante a do outro, ainda o julgue, ainda ridicularize a dor pela qual o outro passa. (Com)paixão, capacidade de sofrer a dor do outro, dimensionar a dor do outro, entender que o outro precisa de suporte. É mais que o ato de (com)padecer-se do outro, porque a compaixão deve ir além do lamento e da contemplação da dor alheia. Cri

Comboio de corda

Meu coração religiosamente sincrético passeia na             lacuna que há entre o céu e a terra,             entre o mar e o sertão Meu coração árcade-barroco-parnasiano entre a loucura e a razão, carrega um amor nascido da distância entre o corpo e o espírito. Vaga no espaço-tempo do aqui-lá.             R epousa no equilíbrio que habita intercessões de desertos e mares. Meu coração acolhe ao que há entre o tudo e o nada. Meus pés sobre o chão, eqüidistantes, equilibram-me:             um lá, outro aqui             lado a lado             extremos             paralelos. Inculto e ermo, vaga meu coração entre estrelas e satélites: vácuo e imensidão. Sibéria de Menezes Título alusivo ao poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa.

"Postagenzinha qualquer"

“Eta, vida besta, meu Deus!” Um poeminha pensando em Drummond Mão-de-obra Pé-de-valsa João-sem-braço Maria-vai-com-as-outras João-ninguém Samba-do-crioulo-doido Corpo-mole Minha vida hifenada a tua Minha vida substantivada Ali vai Raimundo que amava ninguém Raimundo que faz corpo-mole                 Quando vê a hora de dançar o samba-do-crioulo-doido Raimundo João-ninguém que é só mão-de-obra rasa Raimundo, dançarino pé-de-valsa que vai com a Maria-vai-com-as-outras Vai, Raimundo, ser gauche na vida Vai ser tudo, Raimundo Vai ser rima, vai sem rumo Vai amar Teresa nenhuma Lá vai Raimundo, sem ser rima, nem solução. Lá vai Raimundo Lá vai Drummond Lá vou eu, sem rima no coração. Sibéria de Menezes

MÃE-OUVIDO

Sibéria de Menezes Com suas vozes de criança, as minhas crianças, falam muitas vezes ao dia “mamãe”, pra quase tudo: “mamãe”. Como se me dissessem: “Estou aqui.” Eu ouço mais os meus filhos do que os vejo, de maneira que eu os percebo primeiro pelos ouvidos. Sou uma mãe-ouvido desde que os ouvi pela primeira vez. Eles dizem “mamãe” e imediatamente eu compreendo o sentido da minha vida, o maior deles. “Mamãe”, e eu dou graças por poder ouvi-los e estar junto deles para vivermos um amor ouvido e falado. O modo como eles me afirmam como mãe, ao pronunciar esta palavra-mágica, dá-me a certeza da maternidade, no meio de tantos questionamentos que me faço como mãe. Quando me dizem mãe, a cada vez, me fazem mãe novamente. Na verdade, eles invocam a minha parte-mãe, o que me leva a quase compreender o todo-eu. Com suas vozes de criança e tudo o que neles há de criança renovam minha vida, participam-me de uma nova existência, de uma vida que se (re)constrói a cada instante no segredo das

QUANTO VALE A PAZ?

Um grito para dentro vale a paz? Sua guerra vale a minha paz? Dou um choro calado, velado, contido por um punhado de paz. Minha agonia pela paz. Um “por que me abandonaste?” pela paz. De que vale a minha paz se há em mim a guerra, a dor e o sangue a ferver em cólera? Troco minha guerra pela sua paz? Dê-me a paz, não promessas, nem mentiras. Minha angústia por um quilate de paz. Meu riso para plantar a paz, de que me vale? Alguém me dê a paz ou me venda ou troque numa poesia,             que é o que tenho e posso trocar, ou dar, ou vender. Vamos negociar? Uma poesia por um pouco de paz. Mas... de que vale a poesia? Umas palavras tolas por um naco de paz. Num dia possível, quem me ouve, me dê a paz de dias possíveis e belos! Troco meu nome de poeta pela paz. (Sibéria de Menezes)