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Mostrando postagens de 2013

Irretocável (Meu conto publicado na IV Coletânea de Contos SESC-Crato)

IRRETOCÁVEL Move-se para este lado, logo para o outro, na mesma medida. Era bom estar no centro. Sempre imaginara a vida e a vivera desta forma. Milímetro por milímetro, os quadros bem pousados nas paredes brancas de casa diziam mais do que queriam dizer. O equilíbrio é a única forma de felicidade. O que mais querer e esperar no alto da sua maturidade alcançada às custas de tanta disciplina? Bem. Rosa gabava-se disto a toda hora. De como a vida era equilibrada. Papai, mamãe, irmãozinhos, cachorrinho, galinhas e quintal. A imagem da infância emoldurada num monte Parnaso. Domingos de roupas bem engomadas, cabelos perfeitos, unhas bem aparadas; criança encaixotada entre o laço no cabelo e o brilho dos sapatos lustrados. Criança que não gripava, sequer transpirava, sempre pronta para dizer “as palavrinhas mágicas”: “Bom dia, boa tarde, boa noite, com licença, por favor, obrigada, blá-blá-blá... blá-blá-blá...”. No recreio da escola era só. Para não suar, filha, senão desmancha todo o

AS ÁRVORES DA VIDA

Porque há várias árvores na nossa estrada... Na escola onde eu trabalho há uma imensa árvore no quintal. Um pé de timbaúba. É outono e recebi uma chuva de folhas de presente dessa árvore. Que sensação deliciosa em todos os meus sentidos! Folhas miúdas rezavam graciosamente sobre a minha pele me protegendo de todos os perigos dessa vida. Por mais que aproveitasse o momento, e talvez por isso, não pude pensar o que me levou a sentir de maneira tão intensa aquela chuva. Passaram-se alguns dias e, de súbito, fui pega pela imagem relampejante das árvores da minha vida. Da infância, da mais precoce delas. Do pote de lembranças que muitas vezes me pergunto se é imaginação ou realidade, eis que me aparecem três árvores. A primeira, um pé de coco no quintal, depois dos três degraus da cozinha, ao lado da lavanderia. A segunda, um pé de oiti que não vimos crescer até o seu limite, que ficava em frente a minha casa, do outro lado da rua. A terceira, um pé de castanhola – alguém lembr

Minha desordem mental

Minha cabeça não é muito boa. Ela me engana a qualquer deslize, a qualquer tempo em que preciso de juízo. Minha cabeça me faz passar vexames por não dar conta de que dia ou hora é hoje ou ontem ou amanhã. Ela não está preparada, e talvez nunca estará, para a vida prática, de ajuntamentos de informações e dados ou datas, sempre elas, as datas... a se desencontrar de mim. Nela, na minha cabeça, esqueci (ou esqueceram, não sei) de marcar os dias das coisas e, assim, me esforço quase heroicamente para responder que dia é hoje? Quando é tal dia? Quando foi o último feriado? Quando... quando... quando... é tanto quando interrogado na minha vida, que me dá uma agonia. Eu vivo num branco, aonde minha cabeça me levou e leva. Sem saber me preocupar que dia será o fim do mês, do gás, da luz, da água ou do telefone. Sou uma irresponsável sem causa e sem chance de cura, mas com sofrimento. Eu sofro quando a enxurrada me atinge em cheio, impiedosa vida que me cobra o que minha mente não alcança. Mi

EU

Por Sibéria de Menezes Carvalho Eu ante Eu após Eu até Eu com Eu contra Eu de Eu desde Eu em Eu entre Eu para Eu perante Eu por Eu sem Eu sob Eu sobre Eu trás Eu afora Eu menos Eu conforme Eu exceto Eu como Eu que tenho me preposicionado Eu que tenho me subjugado Eu que... não sou só eu Eu que..não sou só você Eu que... procuro um sentido para ser eu Ou outra Eu negativa ou eu louca ou ou ou ou Eu assim Eu adiante Eu daquele Eu daquilo Eu de mim Eu eu eu Eu retumbante que deveria ser primeira pessoa Mas não sou E sou Eu tu Eu ele Eu nós Eu vós Eu eles Eu todos Eu todas Eu ninguém Nem do singular Nem do plural Nem aqui nem agora nem depois nem antes Eu... reticente...

Detonando em 3, 2, 1...

Por Sibéria de Menezes Explosão é multiplicação, é divisão. Explodir é extremamente necessário e vital. Dizem que o mundo, este mundo, nasceu de uma explosão. E o que somos nós, senão uma explosão ambulante? É preciso arranjar uma forma de explodir – de amor, de ódio, de tesão, de ternura, de revolta, de literatura. Explodir é não caber mais em si, é não se rodear pelas mesmas margens e definir um novo contorno, borrado ainda pela “imatureza”. Quer saber? Exploda-se! Multiplique-se em mil pedacinhos, estraçalhe-se, divida-se e, recomponha-se, arranje outro jeito de estar aqui, sente-se do lado oposto, ouça uma nova canção, reinvente-se para encher-se de outras certezas e, quando não couber mais andar com elas... saiba – é tempo de uma nova explosão. Corte os cabelos, jogue-os para o outro lado, tome o ônibus errado de propósito, diga que hoje NÃO ou diga que hoje SIM. Derive-se. Crie-se. Conjugue-se. Exploda. Ouço o barulho ao redor. Está tudo a explodir a todo in

Num tem mais matuto, não!

Matutos do mundo todo, encangai-vos! (Por Sibéria de Menezes) Não se engane, cosmopolita vindo de qualquer lugar, vez por outra, seremos capazes de uma incrível “matutagem”. Desobrigue-se de saber de tudo, bichim. Eu sou dada, naturalmente, a atitudes bem matutas: parar em frente a escadas rolantes pensando se arrisco-me ou não, olhar como os outros se comportam no McDonald's, achar esse negócio de fast food uma coisa horrível de se comer... entre outras atitudes e gostos. Pois bem, estava eu (e minha irmã) no Parque de Exposição do Crato, no ano passado (2012), me achando quase uma nova iorquina, comprando um centro de madeira lindo para a minha casa. Eis que... percebi que não havia levado o tal do cartão de crédito. No seu lugar, só aquele cartão que costumo de chamar “cartão de tirar o dinheiro do banco”. E agora? Com aquela astúcia que só coube a mim, tive imediatamente a seguinte ideia (detalhe, em pleno meio-dia): “Vou ao banco, faço um saque e volto para co

Feliz aniversário, Marina

“Mamãe, olhas!”. Com essas palavras Marina me mostra o mundo ao meu redor, ao nosso redor. Um simples “olha”, para apontar as árvores, as pedras, os montes e os pássaros seria pouco, por isso, prefere dar ao olha um s final, como um plural, e me diz, muitas vezes: “Mamãe, olhas!”. E num instante, o cobertor que estava sobre tudo se desfaz e as cores vêm, junto a todos os outros sentidos: ouço tudo ... , vejo tudo, sinto tudo. O sentido é outro. Eu sou outra. Eu sou mãe dessa pequena. Coragem em miniatura pra compensar o corpo pequeno... ou seria o contrário? Um corpo pequeno pra disfarçar a braveza marinha, como seu nome? Mas hoje não quero saber, ou pelo menos não quero saber que sei. Quero sentir, que é a melhor forma de saber de alguma coisa. Quero sentir teus dois aninhos, que cabem nas pontas dos teus pequeninos dedos, querendo me apontar quanto já tens, sem ainda saber o que significa isto, forma mais linda de saber. Quero sentir que tocas meu mundo apontando o in