Sou rio que não quer ser mar.
Corro doce e revoltoso em direção
ao destino de ser
outra coisa.
Tenho margens
Tenho profundezas
Tenho quedas e curvas.No misterioso trajeto
eu vou
seguindo a minha natureza
Eu não posso voltar atrás
Nada posso contra a gravidade
Devo aceitar a metamorfose.
Enquanto ela acontece,
Olho à esquerda e à direita
Sem sentir-me jamais seguro para ir adiante
Mesmo assim, eu vou.
Às vezes arrasto com violência o que está no meu caminho
Em outras, deslizo com suavidade
Possuído por embarcações de esperança
Não quero chegar a mar
Mas sou empurrado sem alguma misericórdia
Revolto-me, e, pouco a pouco, perco a doçura
que faz de mim um
rio.
As embarcações me deixam de habitar
Porque sou
instável, perigoso
Estou apavorado, confuso entre duas naturezas
que não
compreendo.
Já fui água navegável
Já fui saudade e já fui feliz ao chegar em plantações.
Hoje sou um medo do fatal destino de ser
água de contemplação: imensidão-azul-verde-salgada.
Ainda sou rio a essa altura em que me nego ser mar.
Mas estou caindo e o mar é logo ali.
Ele me engolirá como se eu fosse nada.
Levando minha doçura para o esquecimento.
Contudo,
enquanto deslizo, eu sou rio.
Enquanto doce, eu sou rio
Enquanto tenho enchentes, eu sou rio.
Um dia chego ao mar.
Mas hoje, eu sou rio.
Sibéria de Menezes Carvalho
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