Pular para o conteúdo principal

HOJE EU SOU RIO



Sou rio que não quer ser mar.
Corro doce e revoltoso em direção       
                ao destino de ser outra coisa.
Tenho margens
Tenho profundezas
Tenho quedas e curvas.No misterioso trajeto
                eu vou
                seguindo a minha natureza
Eu não posso voltar atrás
Nada posso contra a gravidade
Devo aceitar a metamorfose.
Enquanto ela acontece,
Olho à esquerda e à direita
Sem sentir-me jamais seguro para ir adiante
Mesmo assim, eu vou.
Às vezes arrasto com violência o que está no meu caminho
Em outras, deslizo com suavidade
Possuído por embarcações de esperança
Não quero chegar a mar
Mas sou empurrado sem alguma misericórdia
Revolto-me, e, pouco a pouco, perco a doçura
                que faz de mim um rio.
As embarcações me deixam de habitar
                Porque sou instável, perigoso
Estou apavorado, confuso entre duas naturezas
                que não compreendo.
Já fui água navegável
Já fui saudade e já fui feliz ao chegar em plantações.
Hoje sou um medo do fatal destino de ser
água de contemplação: imensidão-azul-verde-salgada.
Ainda sou rio a essa altura em que me nego ser mar.
Mas estou caindo e o mar é logo ali.
Ele me engolirá como se eu fosse nada.
Levando minha doçura para o esquecimento.
Contudo,
enquanto deslizo, eu sou rio.
Enquanto doce, eu sou rio
Enquanto tenho enchentes, eu sou rio.
Um dia chego ao mar.
Mas hoje, eu sou rio.

Sibéria de Menezes Carvalho


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

LIVRANDO-SE DE CALCINHAS-UM-POUCO-VELHAS

LIVRANDO-SE DE CALCINHAS “UM POUCO VELHAS” “Sujo atrás da orelha, Bigode de groselha, Calcinha um pouco velha Ela não tem” (Chico Buarque/Edu Lobo. Ciranda da Bailarina) A partir desses versinhos, lindamente interpretados por Adriana Partimpim (heterônimo da Adriana Calcanhoto para crianças), surgiu, numa roda de meninas-não-bailarinas, onde, felizmente, eu estava, um assunto que me chamou atenção. “Isto merece um texto!”. Ei-lo! A pergunta é a seguinte: o que fazer com calcinhas velhas? Daquelas mesmo que estás pensando nessa sua cabecinha, aquelas... que todas nós tivemos, temos e teremos, em algum momento da vida – se Deus quiser! Calcinhas um pouco velhas sempre estarão nas nossas gavetas. E como teremos rituais e alguma dificuldade para jogá-las fora! Conversa vai, conversa vem... fui ouvindo depoimentos tão curiosos que me arrepiei ao pensar no quanto estávamos desfrutando de tamanha intimidade naquele momento. Eu também tive a minha hora de confessar o que costumava fazer com ...

Detonando em 3, 2, 1...

Por Sibéria de Menezes Explosão é multiplicação, é divisão. Explodir é extremamente necessário e vital. Dizem que o mundo, este mundo, nasceu de uma explosão. E o que somos nós, senão uma explosão ambulante? É preciso arranjar uma forma de explodir – de amor, de ódio, de tesão, de ternura, de revolta, de literatura. Explodir é não caber mais em si, é não se rodear pelas mesmas margens e definir um novo contorno, borrado ainda pela “imatureza”. Quer saber? Exploda-se! Multiplique-se em mil pedacinhos, estraçalhe-se, divida-se e, recomponha-se, arranje outro jeito de estar aqui, sente-se do lado oposto, ouça uma nova canção, reinvente-se para encher-se de outras certezas e, quando não couber mais andar com elas... saiba – é tempo de uma nova explosão. Corte os cabelos, jogue-os para o outro lado, tome o ônibus errado de propósito, diga que hoje NÃO ou diga que hoje SIM. Derive-se. Crie-se. Conjugue-se. Exploda. Ouço o barulho ao redor. Está tudo a explodir a todo in...

Do it yourself

Há algum tempo venho insuspeitavelmente vivendo o "faça você mesmo" (interessante, pode ser entendido "faça a si mesmo"), é, pode ser. Mas, neste momento, tenho quase uma idéia fixa ("Deus te livre, leitor, de uma idéia fixa!" - Brás Cubas). Pois é, tenho de admitir, tenho uma idéia fixa e não quase uma: Se você pensou - costurar - acertou! Quero aprender a costurar. E sei que vou. Falta-me pouco (rsrsrsrsrs) só fazer a matrícula num curso, comprar uma máquina de costura... ou seja, arranjar tempo e dinheiro para tanto. Mas é uma questão de... como eu diria... investimento! Não desses com retorno financeiro, mas com o seguinte retorno: Ouço pássaros cantando? Sinto borboletas nos meus ombros? Filho, é a sua cara! Que tal um café, amor? Umas roupitchas também, que não sou de ferro... Mas podes perguntar: E daí, por que não comprar isso tudo? Ou já supõe que estou querendo economizar... brincadeirinha! Mas a questão vai além disso. É carinho, é memória. ...