LAVEMOS OS PÉS UNS DOS OUTROS
Sibéria de Menezes
Uma das narrativas mais importantes dos últimos
feitos de Jesus é, sem dúvida, aquela em que Ele lava os pés dos seus
discípulos. Ainda hoje essa cerimônia é lembrada e celebrada em alguns cultos
cristãos. Basicamente, e por motivos óbvios, ela se concentra em Jesus, já que
Ele é o protagonista da narrativa. É claro que a humildade de Jesus salta aos
olhos. Ela é virtude d’Ele e se apresenta todas as vezes em que lemos a Sua
história. No entanto, olhemos para Pedro, com quem Jesus trava um diálogo
profundo e cheio de significado nessa passagem.
Quando Jesus dirige-se a Pedro, este se recusa a
ter seus pés lavados por Ele. “Disse Pedro: ‘Não; nunca lavarás os meus pés!’”.
Ao que Jesus responde: “Se não os lavar, você não terá parte comigo.”
Por que Jesus diz isso? Por que Jesus condiciona
que para ter parte com Ele, Pedro deve deixá-lo lavar os seus pés? O que seria
lavar os pés, além de um serviço de humildade de Jesus? O que seria ter os pés
lavados por Jesus?
Tomemos a relação de Pedro e Jesus. No mesmo
capítulo (João 13:1), “...tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até
o fim”. Antes de tudo, era uma relação de amor. Pelo pouco conhecimento que
tenho das escrituras, observo que Jesus demonstrava quem era e o que viera
fazer através dos relacionamentos que estabelecia com os outros.
Quando Pedro não permite ter seus pés lavados, está
dizendo que se considera menor que Jesus, e é isto verdade; no entanto, ao
mesmo tempo, Pedro está com muita vergonha da sujeira que carrega. Pedro não
quer mostrar as suas chagas, o que nele é feio, sujo, humano. Jesus insiste em
lavar os pés de Pedro, e não abandona seu amigo na sua ignorância. Jesus estabelece
que isso é condição para que haja entre os dois uma relação profunda, em que os
dois terão parte um com o outro.
Em muitos dos nossos relacionamentos, preferimos
ficar na superficialidade, apresentando-nos uns aos outros naquilo que nos faz
brilhar, naquilo que nos enaltece, naquilo que alimenta nosso ego. E também
esperamos isto dos outros com quem nos relacionamos: queremos a beleza, a
facilidade, o conforto, as afinidades, a tal da reciprocidade. Chegada a hora
das sombras, nossa tendência é abandonar, é desacreditar, questionar se há
amor, e muitas das vezes dizer que não há amor. Nossa tendência é negar, como
Pedro. É bater em retirada.
Jesus sentou-se à mesa com pessoas comuns, uma dessas
pessoas o trairia (e Ele sabia disto), uma dessas pessoas o negaria. Quero
dizer que Jesus não se sentou com pessoas terminadas, santas. Jesus sentou-se e
serviu aos menores que Ele. Mas nós queremos ser amados sem “amar primeiro”.
Haveremos de dizer o seguinte: “Ah, mas Jesus é Jesus!” Eu sou de carne e osso,
eu sou pecador, eu sou um ser humano. Jesus sabe disso. Ele veio mostrar que
podemos amar uns aos outros. E veio mostrar o que é amor, amando, não apenas
dando sermões. Não escolhendo este ou aquele para amar, mas amando a todos.
Quantos de nós agimos como Pedro uns com os outros?
Ocultando nossa parte frágil e suja, por medo da rejeição, da incompreensão,
por falsa humildade? Tomemos parte uns com os outros, uns dos outros, na
integralidade do que vivemos. É arriscado, é difícil, é loucura, mas é isso que
Jesus está dizendo.
No final desse capítulo, (João 13:14-15) Jesus diz:
“Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos
outros./ Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz.” Jesus
chegou, permaneceu, partiu, e permanece mostrando o que é amor. Amor mesmo, não
romantização de sentimentos, mas serviço, paciência, unidade, resistência,
perdão, entre tantos outros atributos do amor. O texto mostra, no seu último
versículo (João 13:17) uma ordem e uma finalidade deste momento que tem com seus discípulos: “Agora vocês sabem
estas coisas, felizes serão se as praticarem.” A ordem é que pratiquemos estas
coisas, que sirvamos uns aos outros e que nos relacionemos uns com os outros,
em suma, que amemos verdadeiramente uns aos outros; a finalidade é que, fazendo
isto, seremos felizes. Isto é importante destacar, porque nossa primeira reação
ao serviço e a humildade é achar que estamos nos humilhando, que estamos sendo “feitos
de bobos”, mas o Mestre ainda nos dá esta lição valiosa, que isto não nos trará
infelicidade, pelo contrário, felicidade. Porque, quando somos tomados
verdadeiramente pelo espírito do amor, somos felizes em servir, somos felizes
em sentir e dar amor.
Para concluir, Jesus não pede que lavemos apenas os
pés dos outros, ele usa uma forma reflexiva: lavem os pés uns dos outros. Ou
seja: deixem-se também ser lavados. Lavemos os pés uns dos outros.
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