Pular para o conteúdo principal

Meu avô


Eugene Boch. Vincent Van Gogh. 1888


Eu não tive experiência de ter avó. A isso eu credito algumas dificuldades que tenho na vida: como de não saber direito se (ou quando) devo fazer birra e me jogar no colo de alguém, em prantos ou em felicidade. 
Eu tive um avô. Não aquele avô inteirão, mas um homem já gasto pelo engenho da vida. Eu julgo que ele sentisse mais falta de minha avó do que eu, que nunca a tive. 
Meu avô parecia triste. E as lembranças que tenho dele são distantes, como são todas as lembranças da minha infância. 
Porém, hoje, dia consagrado aos avós, absorta estou na memória de sua ternura, de sua paciência, de seu modo singular de dar afeto: compartilhando memórias de uma juventude distante, nos subornando com biscoitos e beijus de feira, e fazendo de conta que nos cuidava, quando, na verdade ele estava sendo cuidado. 
Meu avô foi o avô que podia ter sido. E foi. Com sua cadeira de couro, seu chapéu de palha, seus olhos profundos e seu sorriso quase raro. 
Do meu avô, quando eu criança, eu não sabia, mas dele, eu recebi amor. Porque só quem ama permite-se ser cuidado. Só quem ama sabe se fazer forte na fraqueza. 
Meu vovô, foi muito linda a nossa jornada como avô e neta, agora eu sei. Receba aquele nosso abraço onde você estiver. 
Com amor, sua neta
Sibéria


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

LIVRANDO-SE DE CALCINHAS-UM-POUCO-VELHAS

LIVRANDO-SE DE CALCINHAS “UM POUCO VELHAS” “Sujo atrás da orelha, Bigode de groselha, Calcinha um pouco velha Ela não tem” (Chico Buarque/Edu Lobo. Ciranda da Bailarina) A partir desses versinhos, lindamente interpretados por Adriana Partimpim (heterônimo da Adriana Calcanhoto para crianças), surgiu, numa roda de meninas-não-bailarinas, onde, felizmente, eu estava, um assunto que me chamou atenção. “Isto merece um texto!”. Ei-lo! A pergunta é a seguinte: o que fazer com calcinhas velhas? Daquelas mesmo que estás pensando nessa sua cabecinha, aquelas... que todas nós tivemos, temos e teremos, em algum momento da vida – se Deus quiser! Calcinhas um pouco velhas sempre estarão nas nossas gavetas. E como teremos rituais e alguma dificuldade para jogá-las fora! Conversa vai, conversa vem... fui ouvindo depoimentos tão curiosos que me arrepiei ao pensar no quanto estávamos desfrutando de tamanha intimidade naquele momento. Eu também tive a minha hora de confessar o que costumava fazer com ...

A palavra Mãe

Mãe, palavra que cria o mundo. Mãe é o substantivo mais adjetivo que existe.   A palavra mãe simboliza um algo a mais, incabível no nome em si, por isso, para mim, pertence a duas classes gramaticais – é substantivo e adjetivo. Mãe, adjetivo, é palavra que qualifica o ser. Quando digo e ouço “mãe” toda a ternura do mundo vem a minha boca, entra pelos meus ouvidos. Parece um abraço caloroso e mãos leves. Mãe pode significar carinho, saudade, zelo; também como para mim significa carinhosa, saudosa, zelosa... o nome e o adjetivo cuidam em estar tão juntos de nunca se soltarem. Mãe é uma lente de aumento. Intuitivamente, as mães estão sempre um passo a frente dos filhos; mãe é mãe mesmo quando não dá à luz um ser; assim ela muda a construção da regência para dar luz a um ser – mãe é luz. Generosa, dá luz e dá à luz. Mãe é coisa de Deus. Mulher nasce com a marca de ser mãe, é visceral, e, quando o ventre não conjuga o verbo gerar, a mulher, facilmente, torna-se mãe da mãe, d...

Corpo Alvejado

Quando uma flecha perfura um corpo Provoca duas dores: Uma quando atinge a carne, Outra quando retirada dela No intervalo das duas dores Há o silêncio daquilo que sangra Feito de agonia e medo Para sobreviver É necessário retirar a flecha Mesmo que doa Mesmo que sangre Mesmo que isso não seja garantia de vida Destaca a flecha Mune-te de coragem Atende ao instinto de viver Retira a flecha Que te paralisa Que te sufoca Que te faz temer os seus próprios movimentos Livra-te da agonia de viver entre quase-vivo e quase-morto Retira a flecha Cravada desde tanto tempo contra ti Não seja o corpo da flecha Não seja o corpo onde mora a flecha Seja teu próprio corpo Sem flecha Sem a dor do medo Coragem! Retira a flecha (CORPO ALVEJADO. Sibéria de Menezes) ❤📝 #LuzSobrePoesia #CorpoAlvejado #RetiraAFlecha #EndurecerSemPerderATernura