Pular para o conteúdo principal

BALADA PARA NÃO AMAR

BALADA PARA NÃO AMAR
(Sibéria de Menezes) 

Não me chame para ver um filme que já vi
Nem para ver uma chuva que não vai passar
Não me chame para os tintos ou brancos
Não me chame para degustações dionisíacas
Não me chame para ver a lua e seu efeito sobre as marés
Não me chame para noites de tormenta e amor até o raiar do dia
Não me chame para mãos e bocas, pernas e pés
Não me chame para o dois pra lá, dois prá cá
Nem para deitar-me contigo à beira do rio
Não me chame para chocolates, flores, champanhe e massas finas
Nem para baladas e odes ou sonetos
Não me chame para ver a escola passar na avenida
Não me chame ao recital ou ao barzinho da moda
Não me leve ao altar nem à fossa
Não me faça ouvir os acordes de querubins nem ouça Nina Simone
Não me peça para ir nem para ficar
Não me dê importância nem suspiros nem saudades
Não me dê miragens nem desertos nem motivos para pensar em ti
Não me chame para rir das besteiras dessa vida
Nem para chorar diante do absurdo
Não comente comigo o preço dos tomates
Não me recite Baudelaire, Camões, Drummond, Neruda nem Pessoa
Nem me fale de rapsódias nem dos épicos
Dos clássicos nem da vanguarda
Não me fale em Bauman, Foucault, Chomsky, Freud nem Saussure
Não gastemos juntos as horas e as palavras
Não me dê a poesia pronta, fácil e fervente, que não cabe em mim

Não me dê essas palavras que eu te digo.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

LIVRANDO-SE DE CALCINHAS-UM-POUCO-VELHAS

LIVRANDO-SE DE CALCINHAS “UM POUCO VELHAS” “Sujo atrás da orelha, Bigode de groselha, Calcinha um pouco velha Ela não tem” (Chico Buarque/Edu Lobo. Ciranda da Bailarina) A partir desses versinhos, lindamente interpretados por Adriana Partimpim (heterônimo da Adriana Calcanhoto para crianças), surgiu, numa roda de meninas-não-bailarinas, onde, felizmente, eu estava, um assunto que me chamou atenção. “Isto merece um texto!”. Ei-lo! A pergunta é a seguinte: o que fazer com calcinhas velhas? Daquelas mesmo que estás pensando nessa sua cabecinha, aquelas... que todas nós tivemos, temos e teremos, em algum momento da vida – se Deus quiser! Calcinhas um pouco velhas sempre estarão nas nossas gavetas. E como teremos rituais e alguma dificuldade para jogá-las fora! Conversa vai, conversa vem... fui ouvindo depoimentos tão curiosos que me arrepiei ao pensar no quanto estávamos desfrutando de tamanha intimidade naquele momento. Eu também tive a minha hora de confessar o que costumava fazer com ...

A palavra Mãe

Mãe, palavra que cria o mundo. Mãe é o substantivo mais adjetivo que existe.   A palavra mãe simboliza um algo a mais, incabível no nome em si, por isso, para mim, pertence a duas classes gramaticais – é substantivo e adjetivo. Mãe, adjetivo, é palavra que qualifica o ser. Quando digo e ouço “mãe” toda a ternura do mundo vem a minha boca, entra pelos meus ouvidos. Parece um abraço caloroso e mãos leves. Mãe pode significar carinho, saudade, zelo; também como para mim significa carinhosa, saudosa, zelosa... o nome e o adjetivo cuidam em estar tão juntos de nunca se soltarem. Mãe é uma lente de aumento. Intuitivamente, as mães estão sempre um passo a frente dos filhos; mãe é mãe mesmo quando não dá à luz um ser; assim ela muda a construção da regência para dar luz a um ser – mãe é luz. Generosa, dá luz e dá à luz. Mãe é coisa de Deus. Mulher nasce com a marca de ser mãe, é visceral, e, quando o ventre não conjuga o verbo gerar, a mulher, facilmente, torna-se mãe da mãe, d...

Corpo Alvejado

Quando uma flecha perfura um corpo Provoca duas dores: Uma quando atinge a carne, Outra quando retirada dela No intervalo das duas dores Há o silêncio daquilo que sangra Feito de agonia e medo Para sobreviver É necessário retirar a flecha Mesmo que doa Mesmo que sangre Mesmo que isso não seja garantia de vida Destaca a flecha Mune-te de coragem Atende ao instinto de viver Retira a flecha Que te paralisa Que te sufoca Que te faz temer os seus próprios movimentos Livra-te da agonia de viver entre quase-vivo e quase-morto Retira a flecha Cravada desde tanto tempo contra ti Não seja o corpo da flecha Não seja o corpo onde mora a flecha Seja teu próprio corpo Sem flecha Sem a dor do medo Coragem! Retira a flecha (CORPO ALVEJADO. Sibéria de Menezes) ❤📝 #LuzSobrePoesia #CorpoAlvejado #RetiraAFlecha #EndurecerSemPerderATernura