(Sibéria de Menezes Carvalho)
Empunhando uma lança imaginária, em cima
de um cavalo imaginário, em defesa de uma donzela imaginária, contra moinhos de
vento imaginários, o louco é repleto de paixão, idealismo e força. Ele não sente
o sol arder nem o ridículo. Todos carregam um Quixote nas entranhas, um
apaixonado por uma causa. O louco é aquela fatia de nós que acredita em dragões
no lugar de moinhos de vento. Nosso Quixote é a nossa criança, cuja peleja
consiste em manter-se insubordinado ante as convenções dos homens e das
vontades (alheias). Ora, nosso Quixote é insubordinado, malvado mesmo. Um cavaleiro
sem ouvido comum. Lá vai ele, empunhando a lança e o peito em busca de um
ideal, de um propósito nobre. Agora, quem garante o que é real e o que é
imaginário? Quem nasce primeiro? O que é primitivo? O que é derivado? Nasce primeiro
o cavaleiro errante e sua força ou o homem prestes a sucumbir no seu pré-leito
de morte? Nascem primeiro as Dorotéias, os Rocinantes e os Sanchos ou nascem
primeiro as donzelas, cavalos e fiéis escudeiros? Quem vem primeiro – a revolta
ou a luta? E como lutar sem um mínimo de revolta, de chaga e de necessidade? Como
empunhar a lança sem uma causa?
A criança precede o homem. O Quixote
precede o cavaleiro e sua batalha. Ou melhor: a criança sustenta o homem. O Quixote
sustenta o homem e sua luta. A paixão precede a ressurreição, o renascimento, a
reinvenção, pela transmutação de moinhos em gigantes. Em outras palavras: quais
são nossos moinhos e gigantes?
Comentários
Postar um comentário