Pular para o conteúdo principal

Chorar

VOCÊ SE LEMBRA DA ÚLTIMA VEZ QUE CHOROU?
Sibéria

A adolescência é o fim da inocência e o começo de todas as vergonhas. Amizade adolescente é uma das mais intensas. Tudo é mais intenso. Você, por um lado, foge da pagação de mico de andar com os pais, mas paga o maior king Kong chorando por uma amizade que já não é mais a mesma. Aquela amiga ou aquele amigo não estão mais falando com você a toda hora. Isso dói muito e parece que nunca mais vai passar. Você chora, manda recados por colegas, faz greve de fome, cartinhas... e nada parece trazê-lo(la) de volta, demovê-lo(la) da ideia de não ser mais seu amigo(a). É assim, hoje me lembrei disso. Com o passar dos anos, vamos sendo tomados por um cinismo tão cru e tão forte, que até parece que nascemos assim. Não choramos mais por causa dos amigos que resolvem não mais sê-lo. E, se fazemos isso, mesmo na escuridão do quarto, morremos de vergonha. Na sentença “sou mais eu”, o paradoxo de saber, que naquele tempo, onde o eu não encontrava nenhum obstáculo, é que estava realmente a nossa “muiteza”, prá citar Alice. Nossa muiteza vai minguando, até esquecermos onde estamos, ou onde deveríamos estar. É difícil chorar. É preciso ver um filme, de preferência sozinho, para poder chorar, e para justificar para nós mesmos que choramos por causa do filme. Bobagem! Choramos pela catarse. Choramos, porque, vendo Alice sabemos que nossa “muiteza” ficou estilhaçada, para trás, na “cinza das horas” “morridas”. Porque como Benjamin Button, vamos desencontrando as pessoas. Infelizmente, precisamos de ajuda até pra chorar. E só nos damos conta disso, poucas vezes, quando as lágrimas rompem o nosso orgulho e deixamos vir à tona a nossa “muiteza”. A última vez que chorei, foi inevitável me perguntar quanto tempo isto fazia. Fazia muito tempo. Mas, um conselho de adulto: não chore à qualquer um, tranque a porta do quarto, deixe que pensem que você dorme, alugue um filme que o/a faça chorar, chame um amigo-irmão – mas, por favor, lave-se com água e sal, esprema os olhos e lave a alma.

Comentários

  1. É verdade.... minha adolescência foi banhada em lágrimas. Quanta intensidade nesta fase... Hoje até prefiro não chorar por tudo, guardo minhas "muitezas" para o que vale minhas lágrimas, e olha que não é coisa pouca!

    Abraços afetuosos, moça.

    ResponderExcluir
  2. Mas há também, ao menos em mim, e até hoje, quando a adolescência já vai longe, tanto choro seco, sem lágrimas e nem ruído...
    GK

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

LIVRANDO-SE DE CALCINHAS-UM-POUCO-VELHAS

LIVRANDO-SE DE CALCINHAS “UM POUCO VELHAS” “Sujo atrás da orelha, Bigode de groselha, Calcinha um pouco velha Ela não tem” (Chico Buarque/Edu Lobo. Ciranda da Bailarina) A partir desses versinhos, lindamente interpretados por Adriana Partimpim (heterônimo da Adriana Calcanhoto para crianças), surgiu, numa roda de meninas-não-bailarinas, onde, felizmente, eu estava, um assunto que me chamou atenção. “Isto merece um texto!”. Ei-lo! A pergunta é a seguinte: o que fazer com calcinhas velhas? Daquelas mesmo que estás pensando nessa sua cabecinha, aquelas... que todas nós tivemos, temos e teremos, em algum momento da vida – se Deus quiser! Calcinhas um pouco velhas sempre estarão nas nossas gavetas. E como teremos rituais e alguma dificuldade para jogá-las fora! Conversa vai, conversa vem... fui ouvindo depoimentos tão curiosos que me arrepiei ao pensar no quanto estávamos desfrutando de tamanha intimidade naquele momento. Eu também tive a minha hora de confessar o que costumava fazer com ...

A palavra Mãe

Mãe, palavra que cria o mundo. Mãe é o substantivo mais adjetivo que existe.   A palavra mãe simboliza um algo a mais, incabível no nome em si, por isso, para mim, pertence a duas classes gramaticais – é substantivo e adjetivo. Mãe, adjetivo, é palavra que qualifica o ser. Quando digo e ouço “mãe” toda a ternura do mundo vem a minha boca, entra pelos meus ouvidos. Parece um abraço caloroso e mãos leves. Mãe pode significar carinho, saudade, zelo; também como para mim significa carinhosa, saudosa, zelosa... o nome e o adjetivo cuidam em estar tão juntos de nunca se soltarem. Mãe é uma lente de aumento. Intuitivamente, as mães estão sempre um passo a frente dos filhos; mãe é mãe mesmo quando não dá à luz um ser; assim ela muda a construção da regência para dar luz a um ser – mãe é luz. Generosa, dá luz e dá à luz. Mãe é coisa de Deus. Mulher nasce com a marca de ser mãe, é visceral, e, quando o ventre não conjuga o verbo gerar, a mulher, facilmente, torna-se mãe da mãe, d...

Corpo Alvejado

Quando uma flecha perfura um corpo Provoca duas dores: Uma quando atinge a carne, Outra quando retirada dela No intervalo das duas dores Há o silêncio daquilo que sangra Feito de agonia e medo Para sobreviver É necessário retirar a flecha Mesmo que doa Mesmo que sangre Mesmo que isso não seja garantia de vida Destaca a flecha Mune-te de coragem Atende ao instinto de viver Retira a flecha Que te paralisa Que te sufoca Que te faz temer os seus próprios movimentos Livra-te da agonia de viver entre quase-vivo e quase-morto Retira a flecha Cravada desde tanto tempo contra ti Não seja o corpo da flecha Não seja o corpo onde mora a flecha Seja teu próprio corpo Sem flecha Sem a dor do medo Coragem! Retira a flecha (CORPO ALVEJADO. Sibéria de Menezes) ❤📝 #LuzSobrePoesia #CorpoAlvejado #RetiraAFlecha #EndurecerSemPerderATernura